terça-feira, 30 de junho de 2009

Santa ignorância

Uma das coisas que eu mais admirava nos alemães quando vim morar aqui pela primeira vez era a conciência política deles. Isto e o fato deles sempre serem super bem informados sobre tudo o que acontece no mundo. Qualquer assunto poderia virar uma grande discussão político sócio econômica. Claro que tinha horas que eu achava eles um bando de chatos sem senso de humor mesmo. Não tem quem aguente filosofar o tempo todo. Me peguei muitas vezes admirada de ver como todo mundo era bem informado, inclusive sobre coisas do Brasil. Perdi a conta dos momentos nos quais entrei muda e saí calada das conversas simplesmente para evitar falar besteira.

À medida que fui conhecendo mais pessoas e que meus conhecimentos de alemão foram melhorando, comecei a perceber que as coisas não eram assim tão maravilhosas como eu imaginava e que, na verdade, ignorância e desinformação tem tanto espaço aqui quanto em qualquer lugar do mundo. A única diferença é que os ignorantes alemães tem uma forma tão sutil de ocultar esse fato, que o olhar não treinado os confunde com os bem informados da vida. Infelizmente eu demorei de aprender as regras desse joguinho de esconde-esconde da ignorância.

A universidade é um dos melhores ambientes para se aprender como essa brincadeira funciona. O povo consegue ficar sentado por 90 minutos, imóvel, fazendo caras de quem está entendendo e ouvindo o professor palestrar sobre um assunto que chega a ser misterioso de tão complexo, sem fazer nenhuma pergunta. Quando algum novato desavisado que ainda não sabe brincar, morde a isca e confessa que não entendeu, vira imediatamente o foco da atenção de todos. São diversos os tipos de olhares, desde os de "coitadinho" até os de "nossa, quanta burrice". No entanto, quanto o professor agradecido de ver que nem todo mundo está dormindo, começa a responder a pergunta do otário que se expôs na inocência, percebe-se que canetas de repente ganham vida e começam a encher os cadernos com conceitos finalmemente esclarecidos para todos. E com isso os alemães vão aprendendo sem nunca terem de admitir que não sabiam.

Eu já fiz muito o papel da desavisada que levanta a mão e admite que não está entendendo logo de primeira. Mas eu percebi que aqui, depois de fazer uma coisa dessas nunca mais se é levado a sério. O sujeito que faz isso fica estigmatizado como burrão para sempre. Como não estou interessada em competir saber com ninguém, estou tranquila com meu rótulo. Até mesmo porque acho que existe um charme muito especial em ser ignorante assumido. Nós perguntamos mil vezes pra conseguir entender direito e com isso aprendemos. Não existe nada mais chato do que gente que não pergunta, mas misteriosamente sabe de tudo, tem opinião pra tudo.

No entanto é difícil combinar minha atitude "não estou nem aí e vou perguntar mesmo" com meu desejo de ser levada a sério principalmente na minha profissão. Os alunos ficam horrorizados quando o professor assume que não sabe determinada coisa e daí perdem a confiança em todo o resto do seus ensinamentos. Uma vez tinha de fazer uma apresentação na universidade e o assunto era tão cavernoso que eu pensei em me dar por vencida e dizer ao professor que não me sentia segura para apresentar no dia programado e pedir um prazo maior para me preparar. Uma amiga alemã disse: "Você é louca? Não faça isso!!! Apresente qualquer coisa, qualquer besteira que você tenha entendido, mas apresente!!". Eu perguntei: "Mas e se eu não tiver entendido NADA?" a resposta: "Não importa, dê um jeito e apresente senão você vai se queimar feio." Fazer o quê? Me apresentei, né? Mas deveria ter gravado para sempre me lembrar de quão patético o ser humano pode ser.

Moral da estória: Só é possível filosofar em alemão. Mas  felizmente é possível dizer que "só sei que nada sei", em grego. E em português também.