Onde eu estava mesmo? Ah tá, eu estava sentada na
frente de uma funcionária bem sisuda no departamento de naturalização, tendo
uma insana discussão sobre acentos. Quem ainda não sabe como essa estória
começou, pode ler a primeira parte da estória aqui. Depois de
ter mostrado minha certidão de casamento na tentativa de convencê-la de que meu
nome nunca tinha sido escrito com um acento a tal funcionária insistiu que não
poderia consertar meu nome e pronto e o motivo foi inacreditável.
Algum inseto alado (que deus o tenha) encontrou seu
final trágico, provavelmente esmagado pelo peso de algum livro ou coisa
semelhante (a exata causa mortis nunca será esclarecida) bem em cima de minha
certidão de casamento. Em seus últimos momentos de vida, o pobre coitado teve
parte de seu corpo arrancada. Onde ele foi parar, nunca saberei, mas um
fragmento do que uma dia tinha sido sua asinha ficou alí, colado em meu
documento e se alguém quisesse muito, poderia confundi-la com um acento. E
parece que funcionária que me atendeu queria.
Insisti "isso é uma mancha" ao que a
sisuda funcionária retrucou "é um acento". Depois de vários "é
claramente uma mancha", "não, é óbviamente um acento", o
poder da autoridade venceu. Recebi um papel com uma série de instruções
burocráticas que deveria seguir para ter meu nome corrigido, uma cópia da
constituição alemã, um sorriso forçado porém aberto demais e um aperto de mão
demasiadamente firme, acompanhado da seguinte frase :"Com isso te declaro
cidadã alemã. Parabéns." Depois disso, a funcionária, que eu vou passar a
chamar de Gretel pra facilitar, me estendeu o certificado com meu nome sujo e
me deu um olhar que queria dizer "ok, este atendimento está encerrado. Por
favor se retire pra que eu possa tomar meu café em paz".
Saindo dali, percebi que o tempo todo estava
fazendo um esforço enorme para conter o riso diante do ridículo da situação
inteira. Os motivos que Gretel achou pra se recusar a corrigir meu nome foram
realmente surreais e pra mim foi como uma verdadeira comédia de erros. Fale
sério: primeiro ela se recusa a corrigir meu nome porque existem acentos agudos
pelo mundo. Depois porque o mesmo acento que eu estava me negando a aceitar
constava no nome da cidade na qual meu marido nasceu e finalmente porque
confundiu sujeira com acento. Na moral, essas coisas só acontecem comigo. Na
saga kafkaniana que se seguiu até que eu conseguisse limpar meu nome, TODOS os
funcionários para os quais tive de explicar minha situação deram muita risada
às minhas custas e no final da saga uma delas me disse que Gretel foi uma filha
da mãe por não ter corrigido minha certidão logo de cara. E disse mesmo
"Minha colega foi bem intransigente, hein? Se eu tivesse lhe atendido
teria corrigido. Uma coisa dessas se faz em menos de cinco minutos".
Bem, deixa pra lá. Vai ver que Gretel no fundo
sabia que eu tenho um blog e que adoro contar estórias. O final desta, pelo
menos é feliz. Voltei a ser Cristiane sem h, sem acento e sem inseto. De nome
limpo, brasileira, baiana, soterolopolitana e ainda posso acrescentar, cidadã
alemã de Bremen.
Meu kit alemã: caneca de cerveja (Biermass), camisa da seleção e meu novo passaporte. |
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