sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Consumo seletivo



Não sou uma grande fã de comprar roupas e sapatos. Gosto desses itens, mas só de pensar no tempo que se perde escolhendo coisas, nas pessoas que parecem hipnotizadas olhando as roupas com uma paciência quase meditativa em frente ao cabide no qual eu quero ver algo rapidinho, na grana que se gasta, nos provadores das lojas com aquela iluminação dos infernos, planejadas para realçar cada ponto de celulite de nossas bundas, começo a me coçar toda em sinais claros de alergia. Affffffe ô coisa que eu odeio! Isso sem contar que me apego a certas peças de roupa. Se ficou bonito, ferrou! Encarno num visual e uso uma camiseta até furar. Deprimente e desnecessário, eu sei. Mas como diria Gabriela "eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim", fazer o quê? Mesmo assim, de vez em quando me pego tendo uns ataques de peruice profunda e acordo disposta a entrar em lojas, experimentar coisas e gastar meu suado dinheirinho sem compaixão.
                                                                                            
Quando tenho um ataque desses, também não fico me controlando, não. Parto pra ofensiva mesmo e o que acontece é mais ou menos assim: Acordo cedo pra desbravar as lojas assim que abrem, quando as prateleiras e cabides ainda estão arrumadinhos e os outros consumidores ainda não começaram a pensar em gastar. Coloco um sapato confortável, fácil de calçar e descalçar e coloco uma roupa igualmente gostosa de usar e fácil de tirar pra facilitar o tira- e-veste-de-novo do processo. Se estou no Brasil, procuro aquele cartão de crédito com um limite bom que vive escondido em alguma gaveta remota que quase nunca abro e se estou na Alemanha faço um belo resgate de meu fundo de investimentos que mantenho escondido embaixo do colchão e lá vou eu aquecer a economia local.

Chego na rua me sentindo: "Tô pudendo, hein galera!! Sai da frente!" E vou com toda sede ao pote e toda paciência meditativa que normalmente me irrita, futucar os cabides das lojas. Algumas horas depois, faço uma pausa pro almoço e para examinar minhas aquisições e o ciclo recomeça, até o estômago roncar de novo algumas horas depois, quando faço minha segunda pausa, desta vez acompanhada de uma cerveja e aí é quando o ataque de peruice normalmente vai esfriando, a medida que as cervejas vão sendo servidas, até quando ele passa totamente e eu volto pra casa meio cambaleante tentando equilibrar minhas milhões de sacolas pelo caminho.

Essa semana tive um desses ataques e fiquei feliz da vida ao constatar que já na primeira loja que entrei me armei. Era tanta coisa bonita e barata que a febre ameaçava nem durar até a hora do almoço. Já estava quase indo pagar  quando uma voz chatinha no fundo de meu cérebro me implora pra dar uma olhadinha na minha bolsa antes de me dirigir ao caixa e aí é quando eu não encontro minha carteira.

"Não acredito!!!" Esbravejo, enquanto procuro feito doida dentro da enorme bolsa que não sei porque tinha achado que seria uma boa idéia usar justo hoje. Procuro por toda parte e por fim tenho de aceitar a realidade, que realmente esqueci a danada em casa. Largo tudo em qualquer lugar e saio da loja mau humorada, frustrada e de repente me transformo em terrorista e penso: "Porra de consumo! Isso representa tudo que há de errado com o mundo! Se tivesse uma bomba aqui, explodiria todas as cidades do mundo, todas as lojas e todas as roupas e sapatos já!!!"

Chego em casa com meu rabinho entre as pernas e me ponho a procurar a bendita. Procuro por toda a parte e nada. Já estou na fase da triste aceitação de que devo té-la perdido e resignada, começo a fazer uma lista mental de todos os cartões que terei de cancelar, quando de novo a tal vozinha de lá do fundo do cérebro me diz uma das frases mais imbecis, porém mais cheias de razão que já foram inventadas pelo ser humano: "Calma, Cris. Procure de novo. Sua carteira deve estar em algum lugar."

Dou uma respirada bem funda, ignoro minha irritação com minha própria lógica  abestalhada e me ponho a procurar novamente, desta vez com mais calma, cuidado e atenção. Resolvo esvaziar a tal maxi bolsa que tinha levado pra rua. Calmamente, vou abrindo e retirando coisa por coisa, abrindo cada bolsinho, passando a mão em cada sub parte de seu interior, quando de repente sinto uma textura familiar. Lá estava ela, minha carteira, escondidinha em um dos bolsinhos de minha bolsona, quietinha e cheia de dindin que não foi gasto, calma e irônica como a rir de minha cara ou da moral de uma estória que eu precisei de um dia inteiro pra entender: minha carteira, consciente do fato de que pertence a alguém que tem planos insanos de gastar o que não pode, lança mão até de ilusionismo e camuflagem pra se defender do ataque de consumismo descontrolado de sua dona.

Interessante que ela nunca se camufla assim quando vou pro bar. Ridícula...




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